Pensamos que a temática indígena não deve constar somente como conteúdo curricular e sim como oportunidade para rever as práticas escolares na chamada Educação Regular, constituída pelas escolas não indígenas, agregando mais atividades culturais no cotidiano escolar.

  Mas como trabalhar desta forma?

Essa é a verdadeira pergunta do professorado com quem conversamos. Consideramos nesta nossa proposta, que as comunidades escolares podem se identificar com diferentes procedências, a saber: indígena, africana, europeia, asiática, etc. Na prática, é frequente uma comunidade escolar se identificar sempre com mais de uma dessas matrizes e pensamos, então, que é importante para as escolas não indígenas pesquisar mais sobre essas relações entre as matrizes.

      Autores e autoras indígenas já consagrados têm obras usadas como subsídio à Lei 11645/08, como Daniel Munduruku e Olívio Jekupé.

Entre os anos 2013 e 2016, firmamos parceria com o grupo de pesquisa da UFSCar, responsável pelo projeto gráfico da revista Leetra indígena.Assim, os professores puderam, portanto, ler e até convidar indígenas para conversarem dentro e fora das nossas escolas. Um dos principais resultados desse processo é o de que, rastreando a memória indígena da sua própria família ou comunidade, é possível incentivar a autodeclaração dos estudantes dos anos iniciais, caso isso seja um desejo deles.
Umas das ferramentas mais importantes que achamos necessário divulgar, justamente para esse rastreamento, é a Toponímia, como janela de pesquisa para a diversidade linguística e cultural. O estudo dos nomes dos lugares tem sido uma ferramenta para regionalizar a diversidade linguística nas escolas. Línguas como o tupi antigo (ou tupinambá), a língua geral amazônica (nheengatu) e o guarani trazem consigo uma presença fortíssima no território nacional. Línguas de outros troncos linguísticos também possibilitam a pesquisa sobre a presença indígena local de cada município (Jê, Pano, etc.) bem como acerca da memória sobre os imigrantes (Indo-europeu, Sino-tibetano, etc) e quilombolas (Niger-congo, khoisan, entre outros). A toponímia pode ser usada como ferramenta de pesquisa para a compreensão das referências físicas (rios, morros, etc), dos loteamentos e das homenagens que envolvem um jogo entre memórias de diferentes matrizes das comunidades escolares. O Aplicativo Îande roka (nossa casa, em tupinambá, ou tupi antigo) mostra isso, em relação à região metropolitana de São Paulo.
Propor estudos sobre a complexidade das relações entre povos indígenas, negros e imigrantes, de modo que haja troca de experiências entre esses três diferentes grupos de comunidades é muito importante e interessante: compreender, por exemplo, que os portugueses dos primeiros séculos de colonização e as comunidades portuguesas imigrantes, de chegada mais recente no Brasil, não podem ser colocadas numa única caixinha.

Também não podemos esquecer que hoje é também possível trabalhar com recursos audiovisuais, por meio dos quais a exposição e debate de filmografias feitas por indígenas, desde os anos iniciais, se torna agora possível. Os próprios povos podem se apresentar e, as crianças, podem responder a tais filmografias desenhando, escrevendo ou mesmo filmando, de modo a que diferentes linguagens e tecnologias reforcem as práticas orais e escritas dos alunos, em língua portuguesa ou nas demais línguas.
Dentre os muitos conhecimentos que podem ser repassados nas escolas não indígenas, as histórias contadas pelos povos indígenas, como no caso da Cobra Grande, Matinta Pereira, Curupira, Saci Pererê, possibilitam, por sua vez, que há versões diferentes dessas histórias, contadas por diferentes comunidades, de modos distintos. Além disso, dentre os modos de contar histórias podemos inserir como práticas artísticas literárias os grafismos indígenas e as adivinhações, de modo a ampliar a noção de texto com as crianças. O livro Boloriê (2015), de Kezo Ariabo, por exemplo, é uma narrativa oral retextualizada na modalidade escrita e, ao fim do livro, contém um grafismo, que sintetiza a origem dos alimentos, segundo o povo Balatiponé (Umutina).

As escritoras e escritores indígenas nos trazem outros modos de contar histórias e isso costuma agradar a criançada. A toponímia também tem tudo a ver com alfabetização, como um tema gerador. Ou seja: nomes dos bairros, ruas, das escolas são palavras significativas para a alfabetização em língua portuguesa, pois partem da realidade do alunado. Ora, a toponímia é um conhecimento compartilhado oralmente pela comunidade escolar e, em muitos casos, há uma toponíma indígena presente no entorno das escolas não indígenas.

O combate ao preconceito é tema transversal, que também pode ser trabalhado desde os anos iniciais.

  CIÊNCIAS

Sobre as ciências, uma das grandes contribuições dos povos indígenas é a valorização dos conhecimentos tradicionais frente aos conhecimentos científicos: muitos grupos de pesquisas do mundo caminham nesta direção, de compor essas duas vertentes, de igual para igual. O desenho e pintura de plantas locais, encontradas nas comunidades escolares, com intuito deduzir relações ecológicas e o reconhecimento de nomes indígenas das plantas nas classificações espontâneas, presentes no cotidiano da comunidade escolar podem, por exemplo, nos fazer compreender que a importância das plantas está para além da visão utilitarista de natureza em diferentes comunidades. Não somente nas indígenas.
Novamente, a Toponímia aparece como um instrumental simples para as práticas investigativas sobre os conhecimentos tradicionais de uma comunidade escolar específica. Nomes de ruas e bairros podem estar associados a espécies ou a formações geográficas importantes para a ecologia de um determinado ambiente. Talvez não somos repetitivos quando lembramos dos casos de Sumidouro, em São Paulo, onde houve a tragédia com o desabamento das obras do metrô de Pinheiros. Sem falar no caso de Itaorna, onde a instalação de uma usina nuclear não deu certo, no Rio de Janeiro.

Outra fonte para pesquisas dos próprios alunos são os jogos e brincadeiras, que podem ampliar os conhecimentos motores das crianças e as formas de lidar com a saúde e com o lazer, dentro e fora das escolas. O canal do secretário de Etnoesporte da América Latina, Éverson Carlos Costa, traz alguns exemplos da diversidade de jogos indígenas no nosso país, como o das corridas de toras. Desse modo, a Temática indígena aplicada às ciências nos mostra não somente como lidar com os saberes tradicionais mas, também abarca diferentes formas de competir, cooperar e pesquisar no cotidiano de uma dada comunidade. A diversidade linguística parece nos levar, inevitavelmente, a compreender melhor a diversidade cultural do nosso país e, se nos aprofundarmos um pouco mais, também enxergaremos de modo mais sistêmico a biodiversidade presente nos diferentes territórios pelos quais responde o Brasil. É um pouco disso que trata o livro Diversidade na escola: experiências com a Lei 11645/08, publicado pelo coletivo DIVESP num esforço imenso de educadores indígenas e não indígenas, que buscam uma educação diferenciada a todos e todas e na entrevista que concedemos à UNIVESP.